31 agosto 2006

As palavras dos outros

... mais precisamente as palavras do homem da casa.
Ouvi esta história uma e outra vez magistralmente contada por ele, com uma riqueza de pormenores que me levavam até 1973.
Vai ser lida n' "A História Devida" no dia 8 de Setembro.
A despedida

Era a noite de primeira oitava de 1973, tinha eu 10 anos.
Os pais tinham combinado com os tios e o avô que, passada a consoada na casa deles, o jantar da primeira oitava seria na nossa casa.
Vivíamos com a avó paterna, mulher rural de ideias fortes e vontade férrea. A austeridade da avó Ricarda lia-se-lhe no nome e nas rugas do rosto. Não a conheci em vida do avô Ferreira e isso poderá ter feito a diferença: a morte do companheiro duma vida e a partida dos cinco filhos para o Brasil sulcaram-lhe na cara os vincos que sempre lhe conheci.
O tio Jaime vivia na Pena, na casa citadina do avô Leonel, o patriarca. O avô era maiúsculo na estatura, na pose e na atitude. Era o nosso farol. Também do tio Jaime, como seria normal, mas até do pai. "Benquisto industrial", feitor dos condes Torre Bela e homem insigne do Arco da Calheta e do concelho onde se exilou. O avô era também já viúvo e passava alguns dias efémeros no Funchal, o ano inteiro era no Arco, com a sua/nossa fiel Zulmira. Fiel das sopas, dos cheiros, do jardim do tanque dos peixes e das semilhas a grelar na loja. Os outros irmãos da mãe não estavam cá. Na ilha, quem não está, não é. Sente-se mais a ausência. É uma meia-morte. Às vezes chegavam, vinham do ultramar. Estavam vivos, afinal.
Mas mesmo quando estavam todos, o pai e o tio Jaime sempre se ligaram mais. As gargalhadas eram gémeas, encaixavam-se uma na outra. As anedotas eram desfiadas ao desafio…
O jantar tinha sido o delicioso pastelão de bacalhau ou a carne assada especial da mãe. Jogavam agora ao cassino com o avô e os meus dois irmãos. A mãe, a tia e a Zulmira fariam o proverbial croché. A minha prima e eu éramos espectadores atentos de toda a cena.
A avó já tinha subido, não se sentia confortável no papel de anfitriã, de bom grado deixava esse papel à nora. Não socializava, não compreendia nem via naqueles serões grande valor, e "amanhã há trabalho, cedo, na fazenda". Beberricavam eles os digestivos, fumavam algum charuto ou os "DuMaurier" do pai para as ocasiões e por entre esgares de satisfação ou desgosto por cada "mão" de cartas que saía, contavam-se anedotas ou comentavam-se notícias. O pai, militar de carreira, contava os 3 meses para passar à reserva e às paciências sem saber que estávamos à beira da revolução…
E o serão assim se esgotou. Despediram-se os convivas, os abraços e beijinhos, os casacos vestidos, "agasalhem-se, a noite está fresca". A mãe beijou o tio e o avô, "boa noite!".
Entraram naquele carro preto e arredondado. Era um Peugeot 403. O banco frontal era corrido e cheirava muito a cabedal. As portas batiam com um estrondo metálico. O tio fez descair aquela banheira de 2 toneladas e afastou-a da parede para o avô entrar. Gemeram todas as dobradiças e os calços de travão, a porta bateu novamente e lá foram. Acenámos, o cheiro e o fumo do gasóleo desvaneceram-se e as luzes vermelhas dos farolins traseiros desapareceram na esquina da venda.
Voltámos para dentro. A mãe arrumava a sala, o pai fazia uma última paciência. Desligada a televisão, subi as escadas de madeira pé ante pé, para não acordar a avó. "Boa noite, avó", baixinho, não fosse estar acordada e aperceber-se da falta de respeito. Cheguei ao quarto e sentei-me na borda da cama a desamarrar os sapatos…
Havia no quarto uma penteadeira de estilo moderno, em mogno escuro com remates e acessórios em Art Déco e puxadores em vidro esverdeado. O exótico do conjunto era o seu enorme espelho circular, excêntrico, sem aros ou molduras, deveria ter aí um metro e vinte de diâmetro.
Disseram depois que tinham chegado a casa, que o tio tinha parado o enorme Peugeot no declive da Pena; deixou sair o avô, a tia, a prima e a Zulmira e encostou as 2 toneladas de ferro milimetricamente no seu lugar. Saiu do carro, bateu a estrondosa porta, o casaco balançou, a chave caiu-lhe da mão e o corpo pesado do meu tio tombou estatelado no alcatrão. Tinha tido o seu 3.º ataque cardíaco. Morreu ali, passavam minutos da meia-noite.
À mesma hora, no meu quarto, eu desamarrava os sapatos. Com um estoiro, o espelho da penteadeira estalou e abriu-se em dois de cima a baixo.
Só mais tarde percebi que o espírito brincalhão do tio Jaime tinha vindo, com o estardalhaço do costume, pregar a sua última partida.

25 agosto 2006

Plutão

Ok, é minúsculo, fica para lá do sol-posto onde judas perdeu as calças, parece um gelado daqueles de gelo com uma pepita de chocolate como prémio e, para o arrumar de vez, a órbita dele "tropeça" com a de Neptuno.
Mas daí a retirarem-lhe o estatuto de planeta e passarem a chamar-lhe anão? Quem de direito terá as suas razões científicas. Eu não e estou habituada a ter 9 planetas, Plutão até era dos fáceis de lembrar e tudo, não gostei. Pudesse ele falar e aposto que remataria com um "anão, sim, mas com um grande par de tomates!"
(foto daqui)

21 agosto 2006

20 agosto 2006

As palavras dos outros

"E o que sobressai também, para mim, do Confissões de uma Máscara, é que quando um escritor aborda profundamente a verdade sobre si próprio, sem procura de absolvição ou redenção, estabelece um exemplo para a arte, é um acto maior e mais puro do que qualquer outro, mesmo que o seu eu seja contraditório, tumultuoso, cobarde, ou apenas outra máscara, outra ilusão, que ele próprio criou para si como se fora a verdade."... (continua)

Zigzagueando pela blogosfera encontrei este texto sobre um herói da minha juventude e, principalmente, este parágrafo. É um alívio ler assim de uma forma tão clara e simples as palavras que sacolejam na minha cabeça e que nunca de lá saem por falta de jeito e articulação.

17 agosto 2006

Estrada

img_7450-vinhminh-field-p[1] (daqui)

Meter-se à estrada de mãos nuas e olhos de criança. Não olhar para trás, avançar um passo de cada vez sem vacilar, e fazer da viagem o destino final.

15 agosto 2006

3ª Edição do Almoço dos Homens

A ideia é simples: depois de cozinhar para eles e ouvir as críticas mais ou menos construtivas, chegou-se à conclusão que nada como calçar os sapatos alheios e meter mãos aos tachos e panelas para verem "como elas mordem".
Vamos na 3ª Edição do Almoço dos Homens que aconteceu no dia 13 e acho que só hoje é que estou recuperada que isto de abrir com "Latin Connection", seguir para vinhos, "Tequila Sunrise" e caipirinha à 1 da manhã tem muito que se lhe diga.
Quero mais! Dia 24 de Setembro está bom para vocês?!

13 agosto 2006

Motherless

De novo de malas aviadas para os avós. Até 30 de Agosto vamos por etapas.
Primeiro estranha-se o silêncio.
Depois começa a saber bem não ter de mandar tomar banho, não apanhar "peças" pela casa fora, esparramar-se no sofá sem grandes preocupações de comida ou de roupas ou de orelhas lavadas ou arrotos inapropriados à mesa.
Depois começa a ser estranho não ter nada do que atrás se disse.
Depois começa-se a ouvir vozes iguais nas lojas e a olhar para o banco de trás do carro e a passar nos quartos sempre escuros e estranhamente arrumados.
Depois começa a custar o silêncio e a contar-se os dias para o dia 30.
Aí esfregamo-nos neles e cheiramo-los de novo como se fosse a primeira vez e ouvimos as histórias e aventuras de férias.
Os nossos bichinhos.

08 agosto 2006

Fidel e os UruBush


by Mich.

Até parece que estou a ver o brilhozinho nos olhos enquanto "urubushava". Logo ele que não perde uma para "urubushar" sem dó nem piedade.
Gråces beacôp, Mich!

06 agosto 2006

Fidel, o Tio e os urubus


by Antonymous, que não resiste a um desafio. Lambeijo. Mais alguém?

05 agosto 2006

Da falta de jeito para o traço

Não haverá por aí uma alminha com queda para o desenho que me faça um que inclua Fidel, urubus e o Tio americano? A ideia não prima pela subtileza mas é que está mesmo, mesmo a pedir qualquer coisinha do género... Logo não sou eu prendada em tais artes.